domingo, 7 de setembro de 2014

De boas intenções o legislativo está cheio

Dilma acaba de aprovar uma lei proposta por Cristovam Buarque para estimular a formação de público do cinema nacional. As escolas públicas agora serão obrigadas a garantir que cada turma assista por mês pelo menos duas horas de filmes brasileiros. Eu deveria estar comemorando isso porque trabalhei muitos anos promovendo sessões no cinema para  escolas públicas e particulares - no Cineapreender de BH e no Grupo Estação no Rio de Janeiro. No entanto, estou apreensiva: o que acontecerá se os autores resolverem processar as escolas pela sessão não autorizada dos filmes deles? Ao contrário do que muita gente pensa, a exibição pública de um filme sem o consentimento do dono - ainda que seja dentro de uma instituição de ensino -  é ilegal.

Mesmo que um autor compreenda que a sessão de seu filme na escola é uma contrapartida para o uso de dinheiro público, não estou convencida de que essa lei seja uma boa ideia. O próprio autor da lei reconhece que muitas escolas não dispõem de equipamentos adequados para garantir a qualidade das imagens e dos sons. Vale lembrar que em cadeiras desconfortáveis, iluminação inadequada e barulho, mesmo um filme excelente pode se transformar em uma obra tosca. Assim, que público iremos formar? Corremos o risco de reforçar a ideia de que o cinema nacional é inferior e não é isso o que queremos!

Caso os nossos legisladores realmente se sensibilizassem com a formação de público para o cinema brasileiro, ou ouvissem os especialistas, teriam proposto, por exemplo, a liberação de verbas para projetos pilotos. Neles, profissionais capacitados iriam promover em parceria com educadores interessados várias sessões no cinema - que é o lugar para ver bons filmes. Essas turmas experimentais seriam avaliadas ao longo do ano a fim de qualificar o impacto dessa experiência para a aprendizagem. Caso a experiência fosse de fato pedagogicamente impactante, mais recursos seriam canalizados para ampliar o projeto para todas as escolas públicas.

No modelo francês, os recursos públicos voltados para o cinema são divididos em três partes e destinados às três áreas: produção, exibição e formação de público. No Brasil, os recursos destinados à produção geralmente beneficiam os produtores que menos precisam. Os exibidores que sobrevivem estão nos shoppings apostando as fichas no cinema americano. Já o formação de público só existe graças à militância de profissionais que trabalham como aquele passarinho que tenta apagar o incêndio na mata.

Enfim, é preciso enfrentar o problema com mais disposição ou então teremos mais uma lei que não serve pra nada, ou pior, que resultará no oposto do que ela se propõe: "contribuir culturalmente para a formação social, a possibilidade de educar a criança para um olhar sobre a realidade brasileira, sobre o cinema brasileiro".
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