sábado, 4 de junho de 2011

Audiovisual se aprende na Escola

Por muitos anos trabalhei em projetos que promovem sessões de cinemas para grupos escolares. Em Belo Horizonte, no Cineapreender, além de providenciar a sessão do filme, cabia a mim providenciar o ônibus e o debate após o filme. Isso facilitava muito a vida dos educadores e algumas escolas voltavam com o mesmo grupo de alunos a cada semestre, de modo que os filmes eram incluídos na rotina da turma de acordo com o conteúdo estudado. No Rio, por um curto e marcante período de tempo fiz parte da equipe do Cinema-Escola do Grupo Estação, onde além de escolas, atendíamos a grupos interessados em saber mais sobre o audiovisual. Nesse período, aprendi muito com Felícia Krumholz, Mercia Brito e Marinalva Monteiro - profissionais que até hoje se dedicam à formação de platéia para o cinema.

Em BH, algumas escolas me procuravam para oficinas de aprofundamento. Nessas oficinas, discutíamos a interlocução, a apropriação e a produção audiovisual - para a formação de um público que, além de consumidor crítico, poderia atuar como criador de idéias audiovisuais. Nesses encontros, o foco era a criatividade. Em um desses encontros desafiamos os estudantes a adaptar a história do filme "O Rei Leão" em outro gênero - alguns grupos traduzim a narrativa em terror, outros em suspense...

O estudo da linguagem audiovisual e a produção de vídeos permite uma ampla abordagem transdisciplinar repleta de possibilidades. Em um determinado espaço, uma lagoa por exemplo, os estudantes podem ser divididos em dois grupos, onde um grupo é convidado a fazer um vídeo promocional do lugar e o outro grupo é incentivado a fazer um vídeo que denuncie os problemas locais. A exibição e discussão dos dois vídeos pode abrir um amplo debate sobre o poder que a obra de arte tem na medida em que ela "recorta a realidade". Os professores podem apresentar exemplos de situações em que a mídia fez um recorte da realidade para beneficiar algum grupo ou político.  Se a escola for equipada, poderá promover exercícios de edição de vídeo, usando imagens inéditas ou criando narrativas novas a partir trechos de filmes conhecidos. Essas experiências podem interferir na percepção das imagens e compor múltiplos significados. Assim, a linguagem visual se transforma em mais uma possibilidade de expressão dos adolescentes e jovens. Na medida em que os professores instrumentalizam seus alunos e ambos buscam conhecer as possibilidades dessa linguagem, a qualidade da produção evolui. A escola poderá inclusive participar de mostras nacionais e internacionais que reúnem produções de estudantes. Mesmo que a pretensão não seja atravessar os muros da escola, há razões para esse investimento, na medida em que a reflexão resultante da produção do vídeo colabora na construção de uma postura crítica diante dos meios de comunicação.

A escola também pode buscar parceiros e investidores que ampliem a possibilidade e a qualidade de captação das imagens. Se na comunidade escolar houver pessoas dispostas a colaborar com conhecimento e/ou equipamentos, o resultado das produções poderá surpreender e motivar os jovens autores. Assim, a escola pode sondar se nas famílias existem profissionais das áreas de comunicação, publicidade e jornalismo ou pesquisadores do setor audiovisual. Os estudantes podem ser envolvidos na busca de empresários que queiram investir em projetos na área de Educação e Cultura. Além disso, editais das Secretarias de Cultura e Educação podem trazer recursos para a produção audiovisual na escola.

O homem moderno aprendeu a usar os meios de comunicação de massa para confrontar o espectador com imagens que expressam valores e conceitos. O desafio dos educadores na formação de um espectador crítico é capacitar, para que enquanto cidadão ele se aproprie da linguagem audiovisual, desfrutando das obras disponíveis no cinema, na TV e nas locadoras e refletindo sobre elas. Essa construção de uma cultura da imagem na nossa sociedade é tão importante quanto a alfabetização de leitores de textos. Esse processo é longo e deve ser visto como projeto permanente - alvo de registros e reflexões, de modo a gerar novos conhecimentos dentro da escola.

A escola é um lugar privilegiado para o exercício contínuo do pensar, do fazer, do compreender, do gerir e do criar o audiovisual. As escolas que já descobriram isso, não como um jogo de marketing, mas como um compromisso de desenvolver a criatividade audiovisual investem em:

* Ensino e Pesquisa - promoção de oficinas como "Direção", "Roteiro", "Edição" e outros que ampliem a capacitação dos professores. Tais profissionais devem receber  horas extras para que os profissionais tenha incentivo para estudar esse universo e buscar assessoria com pesquisadores;
* Tecnologia - aquisição de equipamentos e treinando seus funcionários na utilização competente desses instrumentos;
* Infra-estrutura - pensando espaços para o trabalho em grupo e estimulando a interdisciplinaridade e abrindo caminho para o aprimoramento das técnicas;
* Produção e Divulgação - incentivando o desenvolvimento de produtos audiovisuais e viabilizando janelas de exibição que divulguem o resultado do trabalho desenvolvido na escola.


Os temas escolhidos para os vídeos podem mobilizar outras ações, além da produção audiovisual. Se o objetivo é, por exemplo, registrar impactos das ações humanas no meio ambiente, esse registro será precedido de uma ampla discussão e após a experiência os produtores sairão diferentes. Mas a produção do vídeo deve ser uma resposta aos anseios dos realizadores. No entanto, cabe aos orientadores cuidar para que os valores éticos estejam presentes nessas produções que irão representar, não apenas o grupo de realizadores, mas a instituição de ensino.

O envolvimento da equipe de professores da escola, e não apenas de algumas áreas - aliás, vale lembrar que o audiovisual é campo de todos - enriquece a idéia que irá para a tela e a qualidade dessa produção.
Para atuarem como diretores, sonoplastas, produtores, figurinistas, câmeras, iluminadores e tantas outras funções no universo videofonográfico, os conhecimentos adquiridos em sala aguçam as habilidades. Em sala de aula, os professores podem fazer pontes entre o que estão ensinando e a prática da produção audiovisual. Uma função não deve ser permanente para que o estudante tenha oportunidade de ter uma visão mais ampla da linguagem audiovisual.

Dificilmente o trabalho de produção de vídeo é inédito em uma escola. Assim, antes de começar um novo projeto, vale levantar o que já foi feito, valorizando e aprendendo com os profissionais que se empenharam em produções anteriores.

Os educadores que atuam na interlocução, apropriação e  produção da linguagem audiovisual constroem em seu ambiente de trabalho uma nova cultura do audiovisual, experimentam novas possibilidades de abordagens e compartilham conhecimentos com seus alunos e pares. Os estudantes desenvolvem e revelam suas habilidades e encontram novas possibilidades de expressar a criatividade. Escola que estuda o audiovisual sabe que o melhor lugar para assistir um filme é no cinema. Por isso, essas escolas frequentam as melhores salas para viajar nas melhores histórias!