sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

A curiosa: adaptação da crônica de Nelson Rodrigues

Para a segunda Farra de Nelson, a apresentação da Turma do Dedé no Tablado, adaptei a crônica "A curiosa" de Nelson Rodrigues. Foi uma delícia contracenar com João Muniz e Fábio Lemos. Eis o resultado:
CARVALHINHO Muito bem, Serafim! Estás fugindo de Jandira?

Serafim sem graça.
CARVALHINHO Como é? Negas agora?


SERAFIM Vou te pedir um favor, um favor de mãe para filho


CARVALHINHO Fala.


SERAFIM Não comenta isso com ninguém, pelo amor de Deus! Nem com tua mãe!

CARVALHINHO Mas quer dizer que é batata?


SERAFIM Não! Sou amigo do Paiva e a Jandira é como se fosse minha irmã!





CARVALHINHO Você é um vigarista! Parei com o teu cinismo.


SERAFIM Não fale besteiras.


CARVALHINHO Você foi visto ontem, nas Laranjeiras, de braço com Jandira. Vocês andam se expondo muito. Cuidado!


SERAFIM Senta aí. Senta aí! Estou numa sinuca de bico!


CARVALHINHO Por quê?


SERAFIM Eu sou de fato um velho amigo de Jandira e do Paiva. Durante anos e anos, jamais pensei que ela fosse se engraçar para o meu lado.


CARVALHINHO Essa Jandira!


SERAFIM Foi só na festa que percebi a primeira insinuação. No dia seguinte ela me telefonou. Eu tentei resistir, juro! Mas quando dei por mim, já estava envolvido. Vê se pode! É ela quem tem a iniciativa, quem propõe os passeios. Quem dá os beijos.


CARVALHINHO (maravilhado) Não é nada sopa, hein?


SERAFIM É uma sujeira ignóbil. Sou amigo do marido, veja você! Amicíssimo!


CARVALHINHO Quer um conselho? Aproveita rapaz! Mete as caras! Mulher não se enjeita!


SERAFIM Estou me sentindo um canalha! Um patife. Isso não se faz! Se fosse um estranho, vá lá! Mas mulher de amigo é sagrada...



Serafim vai ao encontro de Jandira.


SERAFIM Você não vê que não está certo? Não está direito?


JANDIRA Quero e pronto!


SERAFIM Vem cá, explica um negócio: eu me lembro que, há pouco tempo, tinhas uns ciúmes danados do Paiva.


JANDIRA Ainda tenho.


SERAFIM Mas tem como? Se você não gosta dele?


JANDIRA Gosto sim. Quem foi que disse que eu não gosto do meu marido?



SERAFIM (atônito) Então que apito toco eu nisso tudo?


JANDIRA (pousando dois dedos nos lábios do rapaz) Não faz perguntas. Deixa pra lá. Eu estou aqui, contigo, não estou? O resto não interessa.


SERAFIM (mal humorado) Essa história está mal contada! Muito mal contada.


JANDIRA (dando tapinhas na face de Serafim) Também gosto de ti, bobinho!... Estás com ciúmes? (com crueldade) Mas não eras tão amigo dele? Não tinhas tanto chiquê?


SERAFIM (confuso) Aquela besta do teu marido! Tenho vontade de te bater, só de pensar que tu está à disposição desse cara!... Ele te beija muito? Te beijou ontem?... Te vê nua? Se ele soubesse que estás aqui comigo, hein?




JANDIRA (rindo) Saber como? Só se tu fores contar!


SERAFIM Tenho um lugar assim assim, discretíssimo. Vais lá?


JANDIRA Até que enfim! Como demoraste, puxa...


Eles vão para o canto do palco, Serafim tenta beijar Jandira e então ela se afasta.


JANDIRA Eu nunca fiz isso com ninguém, nunca!... Quero ver minha filha morta, se estiver mentindo!


Os dois começam se beijar.




JANDIRA Morde!


JANDIRA O que é isso?


SERAFIM Não é nada, eh... eh... só minha carteira.


SERAFIM Se gostas do teu marido, por que fizeste isso? Por quê?


JANDIRA O único homem que tinha me beijado, o único homem que eu, enfim, conhecia, era meu marido. … Eu quis fazer uma experiência... Questão de curiosidade.





SERAFIM Quer dizer que eu sou a experiência? Eu sou a cobaia? (desesperado) Aquela besta! Aquele cretino!


JANDIRA Não fale assim do meu marido! Eu não admito!

SERAFIM Falo sim! Idiota, palhaço! (segurando Jandira pelos dois braços) Agora vais me dizer, ouviste, qual foi o resultado da experiência. Diz!



JANDIRA (tranquila) O pior possível! Você não chega aos pés do meu marido. Foi a primeira e última vez. Daqui em diante, nem você, nem nenhum outro idiota, põe a mão em cima de mim... Só meu marido.

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